Na última semana, Angola e Portugal voltaram a encontrar-se naquele terreno pantanoso onde a política se confunde com memória, ressentimento e uma pitada generosa de espectáculo. André Ventura, na sua vocação habitual de incendiário, pegou no discurso do Presidente angolano e transformou-o num pretexto para nova exibição de bravura populista. Ernesto Bartolomeu, símbolo de décadas de “Boa noite, está a começar o Telejornal”, não deixou barato e devolveu-lhe um contundente “mentecapto” e “se vencer as eleições, vai governar as cabras da Beira Alta e Beira Baixa”.
Por Mwata Santos
E foi então que a maka começou – não entre eles, mas entre os seus públicos. Se alguém ainda duvidava que as redes sociais se tornaram o maior ringue da Lusofonia, bastou ler as reacções.
Curiosamente – e aqui a história ganha o seu sabor – foram sobretudo portugueses a bater palmas à resposta de Ernesto e angolanos a defender Ventura. Dezenas de portugueses elogiaram a coragem do pivô, dizendo frases como:
“Grande jornalista, só fez o que lhe é pedido: verdade e transparência!” – André De Carvalho; “Mentecapto é um elogio.” – João Carvalho; “Errado não está.” – Zé Ribeiro; “Quem colhe ventos semeia tempestades. Venturinha, mete a viola no saco e não nos envergonhes mais.” – Ricardo Nogueira; “Se governar, Portugal andará 80 anos para trás.” – Paulo O Desenrascador. “Ficaria a governar as cabras se essas fossem coxas ou cegas, as outras emigrariam também” – Carlos Estanque; “Talvez os angolanos não saibam, mas parece mais certo ele governar as cabras do Alentejo e do Algarve” – Maria M. Builina.
E houve ainda portugueses a notar aquilo que muitos angolanos não diriam em voz alta:
“Os irmãos iguais dão-se mal.” Um tuga também resumiu a troca com o requinte que o episódio exigia: “Duas grandes bestas.”
De um lado, quem viu Ernesto como herói momentâneo: “Finalmente alguém disse o que ninguém em Portugal teve coragem de dizer”, escreveu mais de um português, ecoado por angolanos indignados com Ventura.
Por outro lado, grande parte dos angolanos e também portugueses foi menos generosa, chamando Ernesto de: “vendido”, “militante do MPLA disfarçado de jornalista”, “bajulador profissional”, “matumbo”, “fantoche do sistema”.
Alguns resumiram com frieza: “Este pertence ao sistema e mama dele.” E houve quem dissesse, com amarga lucidez: “Essa briga não ajuda ninguém.”
O mais curioso é perceber que este episódio pouco tem a ver com patriotismo ou políticas de Estado. Tem a ver com egos. Com populismo.
Com a velha mania lusófona de fazer barulho para não admitir inseguranças profundas. Ventura atacou para marcar terreno. Ernesto respondeu para defender a honra – sua ou do sistema que o sustenta, depende de quem lê.
E os povos, sempre ansiosos por circo, entregaram-se ao papel de plateia.
O comentário mais sensato veio de um internauta angolano: “Não admitir que o colonizador oprimiu o colonizado é tolice. Ventura errou ao insinuar ataque a Portugal. Político responde político; jornalista atacar deputado não é o papel dele.”
Um raro momento de lucidez no meio da poeira.
E eis a parte mais triste – ou mais cómica. Tanto Angola como Portugal revelaram-se gémeos na ignorância expressiva. Racismo, xenofobia, revisionismo histórico, arrogância e ressentimento – tudo serviu.
E como escrevo sem medo de ferir susceptibilidades: Hoje qualquer jacordilo com smartphone vira analista político.
É por isso que, nestas guerras virtuais, raramente há vencedores – apenas mais ruído.
Portanto, Ventura continua Ventura. Ernesto continua Ernesto. E nós continuamos a aplaudir os palhaços do nosso próprio circo. A verdade dura é simples: Ambos se serviram da paixão descontrolada dos seus povos.
Ambos alimentaram o fogo fácil do ressentimento. E ambos saem desta história exactamente como entraram: mais populares entre os seus fiéis, mais odiados pelos seus opositores e mais úteis a um sistema que vive de espectáculo.
Porque, como escreveu um português indignado, com uma sinceridade desconcertante:
“Quando o circo abre, os palhaços multiplicam-se.” E, acrescento eu: Entre irmãos mal resolvidos – entre colonizador e colonizado que não curaram as memórias – ninguém vence. Apenas nos entretêm.
Precisamos repensar Angola. É urgente.

